segunda-feira, 19 de setembro de 2011

EXERCÍCIOS PROIBIDOS OU MAL ORIENTADOS?


Há algum tempo, surgiram comentários sobre determinados exercícios na sala de musculação e seus supostos potencias lesivos. Isto gerou algo como uma “lista negra” de exercícios proibidos de serem realizados. Seriam eles: a puxada alta nas costas, o desenvolvimento para ombros, a remada curvada e o agachamento.

Estes exercícios estariam “condenados” por causa de um suposto alto índice de lesão, mais especificamente na articulação glenoumeral (ombro), região lombar e articulação fêmurotibial (joelho). Aqueles que advogavam, ou advogam, contra tais exercícios tentam se basear em alguns estudos que sugerem haver relação entre os movimentos realizados nesses exercícios e processos lesivos.

Todavia, parece que este a luta contra tais exercícios é fruto da incapacidade de interpretação na leitura de dados científicos. Ao que tudo indica, o índice de lesão relacionado aos exercícios supracitados estava associado à três fatores: adoção da técnica de execução inadequada, cargas inapropriadas e um volume alto de treinamento, e não propriamente ao exercício per si.
Vamos tentar esclarecer alguns pontos...
Na realidade o que tem ocorrido é que têm sido publicadas em revistas científicas trabalhos que identificaram sobrecargas elevadas em componentes do sistema músculo-esquelético em alguns exercícios. Na discussão desses trabalhos, os autores comentam todas as possíveis implicações atléticas destes resultados, e frequentemente a ocorrência de lesões é citada como uma possibilidade. Esse é um procedimento padrão e habitual em trabalhos científicos. Os problemas começam quando profissionais menos acostumados ao rigor dos métodos científicos lêem os trabalhos e publicam suas conclusões em outras revistas com grande penetração nos meios técnicos e inclusive da população em geral. Invariavelmente a interpretação é que o trabalho "provou" que o exercício analisado provocava lesões, e a divulgação desses conceitos acaba levando as proibições, principalmente nas academias.

Na realidade, a única conclusão possível nesses casos, é que o exercício estudado apresenta sobrecargas em estruturas anatômicas. E temos que frisar que uma sobrecarga não significa algo indesejável, mas apenas que determinadas funções dos órgãos estão sendo solicitadas acima dos níveis habituais.

E diante da ocorrência de sobrecargas duas situações podem ocorrer: Aprimoramento da função sobrecarregada ou falência da estrutura ou órgão. No caso das sobrecargas agudas, como é o caso dos exercícios físicos, um aumento de função muito intenso pode produzir uma lesão também aguda, mais ou menos grave, como é o caso de uma hérnia de disco ao realizar um movimento inadequado. Sobrecargas agudas excessivas mas não suficientes para produzir uma lesão aguda, quando repetitivas, poderão levar a lesões crônicas, tal como as tendinites do trabalho e do esporte mal orientados.

No entanto, sobrecargas menos intensas levarão ao fortalecimento da estrutura ou órgão. E a aplicação de sobrecargas não excessivas é a base do treinamento físico.

Sobrecargas crônicas, geralmente não muito intensas e produzidas por doenças, quase que invariavelmente levam ao comprometimento anatômico e funcional dos órgãos. Nesses casos as sobrecargas são constantes, sem períodos de alívio, e dessa maneira não permitem as adaptações de fortalecimento que sempre ocorrem em repouso, na ausência de aumento de função. Exemplos dessas situações são as artroses por excesso de peso corporal ou por desalinhamentos articulares, a insuficiência cardíaca por hipertensão arterial, o enfisema pulmonar por síndromes pulmonares obstrutivas, entre outros.

No caso dos exercícios como saber se uma sobrecarga é excessiva ou não? Cabem também algumas considerações.
Estudos em laboratórios com estruturas anatômicas isoladas podem identificar limites de tolerância dos tecidos envolvidos, mas não conseguem predizer se os resultados das interações de forças "in vivo" poderão chegar nesses limites. Outro aspecto é que as sobrecargas biomecânicas poderão variar muito entre as pessoas, devido a diferenças nas alavancas músculo-esqueléticas. Assim sendo, sobrecargas excessivas para uma pessoa poderão ser estímulos forte para outra.

Do ponto de vista científico, a possibilidade de ocorrência de lesões somente será confirmada quando as lesões forem identificadas. Estudos experimentais com pessoas realizando exercícios suspeitos e acompanhadas para detectar a ocorrência de lesões são inviáveis do ponto de vista ético.

Os estudos que caberiam nesse caso são os de levantamento de casos ou observacionais, quando pessoas que já realizaram os exercícios suspeitos são acompanhadas ao longo do tempo ou avaliadas retrospectivamente. Em outras palavras, não é necessário acompanhar as pessoas durante anos para verificar se ocorrem lesões; basta avaliar pessoas que já utilizam os exercícios suspeitos há muito tempo. E grande parte de aficcionados na modalidade já realizaram ou ainda realizam estes exercícios.
Potanto na ausência de estudos como esses a ocorrência de lesões é apenas uma possibilidade teórica.
Felizmente os profissionais envolvidos com treinamento físico não precisam esperar por trabalhos científicos demorados para tomar condutas práticas em relação aos exercícios: basta que utilizem o conhecimento técnico e prático. No caso dos exercícios com pesos, grandes cargas nunca são utilizadas em exercícios que a pessoa nunca realizou. Invariavelmente os exercícios são experimentados com pouca carga, em poucas séries com poucas repetições. O praticante normalmente é orientado para informar ao professor ou técnico sobre desconfortos articulares ou musculares que ocorram na progressão do treinamento.
Faz parte do conhecimento técnico que exercícios progressivos inadequados para uma dada pessoa, antes de produzirem lesões, darão origem ao desconforto local. Provavelmente isto se deve ao estímulo dos proprioceptores. Em outras palavras, a natureza colocou em nosso organismo um sistema refinado para detecção de sobrecargas excessivas, que informa ao sistema nervoso central suas avaliações na forma de desconforto. A ocorrência de desconforto exige intervenção no sentido de modificar ou substituir o exercício causal.

Assim sendo, alguns exercícios e não somente aqueles poderão ser identificados como adequados para algumas pessoas e inadequados para outras.
Além desse aspecto, o conhecimento técnico já identificou os exercícios ou técnicas de execução de exercícios que mais frequentemente produzem lesões. Evidentemente isto ocorreu as custas de pessoas que se lesionaram, mas cujo infortúnio muito contribuiu para o conhecimento técnico atual. Tais exercícios ou procedimentos foram há muito excluídos do arsenal da musculação muito antes que qualquer trabalho científico levantasse suspeitas sobre eles.

Adaptado de: Dr. José Maria Santarém

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